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Doutrina Protestante Saudável

Ouro no meu próprio quintal

William Perkins - O Fervor Pastoral e a Dinâmica Espiritual de uma Escolástica Reformada

Dedicar uma edição inteira da revista Credo ao tópico do escolasticismo reformado irá, sem dúvida, provocar um amplo espectro de reações. [1] Alguns potenciais leitores ficarão entusiasmados, prontos para aprofundar a sua compreensão daquilo que se tornou familiar para eles nos últimos anos. Outros abordarão esta questão com ceticismo, se não com total rejeição. É a este último grupo que gostaria de me referir. Não desejo convencê-lo da relevância histórica dos escolásticos reformados, pois muitos colaboradores bem qualificados tentarão fazer exatamente isso ao longo desta edição. Da mesma forma, não gastarei minha coluna discutindo distinções sutis ou analisando doutrina técnica de maneira verdadeiramente escolástica. Em vez disso, gostaria simplesmente de dizer: já fui um de vocês. Minha história pode ser diferente da sua, mas nossa dúvida é a mesma.

 

Minha educação teológica me encheu de um ceticismo sincero em relação às fontes antigas, medievais ou pós-reforma. Minha experiência, no entanto, me fez hesitar em seguir a formação acadêmica.

 

Minha educação teológica me encheu de um ceticismo sincero em relação às fontes antigas, medievais ou pós-reforma. Eu via a história da Igreja como a progressão cronológica desde os apóstolos até João Calvino, até Charles Spurgeon, até o século XX. Eu era tão jovem, inquieto e reformado quanto um estudante universitário criado pela SBC no Mississippi poderia ser. Minha estante estava repleta de vozes contemporâneas – Piper, Grudem, Platt, Erickson – e esses homens me serviram bem. Minha experiência de graduação, no entanto, me fez hesitar em seguir a formação acadêmica. Homens com PhD me diriam por que a Bíblia estava errada e por que eu precisava abandonar crenças antiquadas para adotar uma abordagem mais moderna ao ministério. Os pastores, e não os escolásticos, eram dignos de confiança. A academia deveria ser mantida à distância. Mesmo assim, necessitando de formação pastoral, procurei o seminário.


Um Ceticismo Bem Fundamentado


No seminário, fui ensinado a amar a sistemática, mas fui ensinado a temer aqueles que nos transmitiram doutrinas. As vozes contemporâneas seriam reverenciadas enquanto as vozes antigas seriam rejeitadas. Lembro-me de um professor advertindo um aluno porque Sobre a Encarnação, de Atanásio, estava em sua mesa. “Ah, que bom que você está ampliando seu escopo, mas tome cuidado”, disse o professor. “Há perigo nas fontes católicas”. Quando fontes protestantes clássicas foram mencionadas (uma ocorrência rara, com certeza), elas podem não ter sido criticadas, mas foram ignoradas. “Turretin tudo bem, suponho, mas terrivelmente seco. Seu tempo provavelmente será melhor gasto em outro lugar. Você leu o novo livro de Kevin DeYoung?” As vozes contemporâneas, e não as vozes antigas, eram dignas de confiança.


Quando cheguei ao doutorado, estava firmemente plantado no século XX. Carl F.H. Henry, Gordon Clark, Harold John Ockenga e até, ouso dizê-lo, Cornelius Van Til – estes eram meus amigos e serviram-me bem. Então, algo aconteceu. Fiz 30 anos e fui acampar. Por alguma razão, trouxe na mala um livro que tinha ouvido falar anos antes – Sobre a Encarnação, de Atanásio. Enquanto estava sentado perto de uma fogueira lendo (tenho vergonha de admitir) meu primeiro livro patrístico, fiquei chocado ao ver como ele parecia familiar. Eu estava esperando dragões, mas me senti em casa. É isso que a antiguidade tem a oferecer? Eu o li em um único momento enquanto meu café esfriava.

 

Esses pensadores eram fortemente protestantes, alegremente reformados e agressivamente bíblicos.

 

Meu apetite começou a crescer. Atanásio me levou a Cirilo, que me levou a Gregório de Nazianzo, que me levou a Basílio, que me levou a Agostinho. Embora esses autores começassem a parecer cada vez mais familiares, às vezes sua doutrina não o era. Calcedônia? Niceia? Geração eterna? Asseidade? Eu estava entrando em águas profundas e precisava de toda a ajuda possível. Então, ampliei minha rede. Vozes medievais começaram a me ajudar, mas ouvi a voz dos meus professores anteriores no fundo da minha cabeça. “Tome cuidado. Há perigo nas fontes católicas”. Não tenho ilusões de grandeza. Eu sabia que a minha interpretação destas obras antigas e medievais não era apenas falível, mas absolutamente elementar.

 

Amigos Inesperados


Eu sabia que precisava de alguém deste lado da Reforma para me ajudar a pensar em novas ideias. Então, o que eu fiz? A mesma coisa que sempre faço – fui acampar. Desta vez trouxe comigo um livro contemporâneo, Aquinas Among the Protestants [Tomás de Aquino Entre os Protestantes]. Meu interesse na época estava puramente focado em Tomás de Aquino e na avaliação de sua doutrina (tanto positiva quanto negativamente). Eu esperava aprender sobre Tomás, mas estava confiante de que tinha o lado “protestante” do argumento bem definido. O livro consiste em uma coleção de ensaios que destacam a apropriação crítica de Tomás por vários pensadores pós-reforma. Fiquei surpreso, porém, com os novos nomes que encontrei. João Gerhard? Richard Hooker? Willian Whitaker? Examinar as notas de rodapé e o índice apenas aumentou minha confusão – quem é Peter van Mastricht no mundo? Fiquei surpreso ao descobrir como não estava familiarizado com meu próprio acampamento. Enquanto viajava para terras estranhas e distantes, deixei de manter minha casa em ordem. Presumi que sempre soube o que significava ser protestante. Nunca pensei em perguntar.

 

Não foi Tomás de Aquino quem me explicou a simplicidade divina – foi Francis Turretin.

 

Comecei a comprar livros que mudaram fundamentalmente a maneira como eu via o mundo, Deus e a mim mesmo. Não foi Tomás de Aquino quem me explicou a simplicidade divina – foi Francis Turretin. Por melhor que Agostinho seja, eu não via os fundamentos exegéticos do teísmo clássico até conhecer van Mastricht. Alguns dizem que o actus purus é uma invenção romana medieval baseada na filosofia grega. Bem, aprendi isso com Stephen Charnock (que demonstrou isso nas Escrituras). Quanto mais eu lia, mais continuidade via e mais esses conceitos clássicos se tornavam familiares. Esses escolásticos reformados não tinham medo da tradição que os precedeu, nem a idolatram. Em vez disso, eles aderiram à tradição, com a Bíblia nas mãos.

 

Com o tempo, os Escolásticos Reformados ajudaram-me a compreender melhor a minha Bíblia, as grandes confissões protestantes, o escolasticismo medieval e até mesmo o meu contexto moderno. Eles me guiaram até o ouro que eu havia enterrado em meu quintal. Esses pensadores eram fortemente protestantes, alegremente reformados e agressivamente bíblicos.


Conheça-os Você Mesmo


Neste caso, eu era abençoadamente ignorante sobre os equívocos que cercavam os escolásticos reformados. Felizmente, eu já havia encontrado fontes primárias antes de ter ouvido falar da teoria “Calvino contra os calvinistas” ou de como os escolásticos pós-Reforma haviam, supostamente, comprometido a pura teologia bíblica de João Calvino. Aqui, porém, é exatamente onde quero respeitosamente oferecer um aviso. Durante anos, os vagos ataques às “fontes católicas” que ouvi das pessoas ao meu redor mantiveram-me afastado dos meus possíveis amigos. Conheço a minha natureza e sei que se eu tivesse encontrado pela primeira vez os equívocos direcionados contra os escolásticos pós-Reforma, então teria adiado a minha interação com eles o máximo possível. Eu sei que preferiria prevenir do que remediar. Talvez você não seja tão teimoso quanto eu, mas sei que minha dúvida infundada teria me afastado da doutrina protestante saudável.


Os escolásticos reformados engajaram-se na tradição, com a Bíblia nas mãos.


Para tanto, caro leitor, peço-lhe humildemente que largue o seu tridente, mesmo que apenas por um momento. Não há dragões aqui. Esses escolásticos protestantes podem ajudá-lo a pensar com clareza, a viver piedosamente e a amar profundamente. Compare todos os que desejar com João Calvino, mas certifique-se de lê-los você mesmo. Esse é o objetivo final desta edição do Credo – oferecer-lhe as ferramentas necessárias para que você se envolva com os próprios homens, assim como eles se envolveram com a tradição antes deles, com a Bíblia nas mãos. Talvez não consiga convencê-lo de que não temos segundas intenções ou planos maliciosos, mas espero que a minha história possa ser replicada. Não porque o mundo precise de mais acadêmicos ou guerreiros do Twitter, mas porque acredito genuinamente que os escolásticos protestantes podem ajudá-lo a amar Jesus e o Deus Trino. Recuperar as doutrinas genuinamente protestantes que moldaram o mundo pós-Reforma pode beneficiar a sua Igreja local; eu vi isso acontecer.


A frase ad fontes é muito referenciada quando se discute temas como esses. Geralmente é traduzido “para a origem” e é usado como uma exortação para recorrer a fontes primárias. Poderíamos também dizer, porém, “à fonte”. É por isso que amo os escolásticos protestantes. Eles me apontam para a “fonte da vida. . . uma fonte verdadeiramente inesgotável” onde “todos nós recebemos da sua plenitude, graça sobre graça” (João 1:16). [2] Dirija-se as origens para que possamos ir à fonte.


Notas finais


[1] O título desta coluna vem da introdução à Confissão de Fé Batista de Londres de 1689. Os autores da confissão usaram esta linguagem para descrever o conteúdo bíblico presente em confissões anteriores, como a Confissão de Fé de Westminster. Os autores escrevem: “[E]m nome dos protestantes em diversas nações e cidades; e também para convencer a todos de que não temos vontade de obstruir a religião com novas palavras, mas concordamos prontamente com aquela forma de palavras sãs que foram, de acordo com as Sagradas Escrituras, usadas por outros antes de nós; declarando por este meio diante de Deus, dos anjos e dos homens, nosso sincero acordo com eles naquela doutrina protestante saudável que, com evidência tão clara das Escrituras, eles afirmaram” (A Confissão de Fé Batista de 1689, Edinburgh: Banner of Truth Trust, 2012), 18.

 

[2] As imagens da fonte eram um recurso retórico favorito de João Calvino. Veja Lee Gattis, “The Inexhaustible Fountain of All Good Things: Union with Christ in Calvin on Ephesians”, em Themelios 34.2.

 

Traduzido por Victor Hugo Pereira.

Peter Sammons

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